domingo, 29 de abril de 2018

O país sem futuro


Parodiar Stephen Zweig torna-se apropriado ao instante. Quando publicou sua obra, “Brasil, o país do futuro” (1941), certamente não imaginava o que aconteceria no limiar do século XXI ao país que o acolheu – e o encantou – quando fugou do nazismo.

O quadro pode ser iniciado por aquilo que está a ocorrer com o andar de baixo: rendimento mensal dos brasileiros mais pobres caiu de 76 para 47 reais em 2017, segundo o IBGE.

Vai piorar, porque os dados se referem ao ano passado.

O quadro lembra o futuro ‘promissor’ de trabalhar a troco de um prato de comida. Não faltará quem promova troca de trabalho por um pedaço de pão dormido. Ou a volta da meia tigela, procedimento utilizado por mineradores das gerais para o escravo que não alcançava o resultado exigido, daí a origem da expressão “meia tigela” como sinônimo de gente de menor valia.

O rombo aumenta porque não há atividade econômica. Sem atividade econômica faltam recursos para pagar os juros, porque para o custeio da máquina estatal o há. Então, vende-se o patrimônio público para fazer dinheiro para pagar/enganar os juros, em vez de investir. Não investindo a atividade econômica não avança... Eis o ciclo em que se esvai pelo ralo a riqueza nacional. Como política de Estado. A festa do neoliberalismo e dos rentistas.

O rentismo – sistema de inusitada atuação no Brasil – onde a indolência dispensa o trabalho dos que dispõem de recursos para aplicar no mercado financeiro não deixa de frequentar as páginas dos jornais, inclusive estrangeiros (Le Monde). Um escândalo, através do qual migra a escassa riqueza produzida pelo conjunto da sociedade para a bolsa de um escasso punhado de nativos.

Educação, Saúde, Saneamento Básico, Pesquisa Científica, Infra-estrutura – tudo alcançado pelo contingenciamento, caso contrário não sobra dinheiro para os juros da dívida. Porque, caso não seja assim, não continuaremos no 'honroso' patamar de terceiro pior país em desigualdade de renda.

Mas, enquanto tal processo anda a passos largos vão-se novas joias da coroa: a Eletrobras, onde já investidos 400 bilhões busca arrecadar 20 com a privatização anunciada.

Difícil sairmos deste determinismo, programado pela classe dominante controlada por punhado, pequeno punhado, de peças que domina e promove a (des)informação. Que não escapa nem ao estrangeiro, que o diga a Al Jazeara (abaixo).

Não falta quem reconheça estarmos caminhando para o primeiro mundo. Tanto que já dispomos de colégio que cobra em equivalência a dólar americano, porque fica mais bonito para o subserviente nativo endinheirado falar que paga mensalidade em DÓLAR AMERICANO. Não é coisa para quem não seja rico. Tanto que quase 1 milhão de jovens – que não pôde ter acesso ao ENEM em razão das novas regras impostas para a inscrição – e outros 500 mil que tiveram pedido de dispensa de pagamento da inscrição negado não terão como chegar à universidade, denuncia a CUT. Mas, isso não vem ao caso – dirá aquele magistrado.

Visível que capengamos. E, para piorar, até em searas outras passamos a buscar o fundo do poço como apoteose. Como na jurídica, quando estamos a enveredar por “Justiça” ‘arquitetada sobre o princípio da incompetência, da vilania e do desprezo à democracia’, como diz Marcos César Danhoni Neves.

Na esteira do que pratica de desmanche jurídico o próprio Judiciário através de figuras de altas Cortes abrimos ao público um novo tema para discussões: o Direito em seara de visão pessoal, dispensado de ser compreendido sob a égide de princípios e fundamentos, tornando-se mais um tema de “papo de botequim”. Assim, não mais futebol, religião ou política – e a vida alheia, naturalmente – também a ‘interpretação’ jurídica. Espelhada a freguesia no que dizem dominar certos analistas de TV e jornalistas, tornados entendedores do assunto com argumentos vazios e destituídos de razões científico-jurídicas.

Decididamente estamos bem próximos do fundo do poço. Sem futuro algum para o povo. Mas continuamos a trajetória. Prestes a alcançá-la cabe chamar Gláuber Rocha para filmar um novo Terra em Transe, essa terra brasilis.

Contrariando Stephen Zweig.

No contraponto, um ex-favelado, governando o estado da Bahia, inaugura um metrô.

                     
                     

PRÓXIMA SEMANA: O que assusta Sérgio Moro e quejandos.

domingo, 22 de abril de 2018

Delações combinadas


De nossa parte – considerando que o ministro Gilmar Mendes não bate prego em estopa – temos que a parafernália em favor dos tucanos e quejandos – agora que Lula se encontra inviabilizado em sua candidatura – caminha para assegurar que tudo fique como dantes no quartel de Abrantes. Naquela de mudar para ficar no mesmo – diria Tomasi di Lampedusa.

Os sinais não estão só evidenciados. Estão escancarados. Basta ver as últimas atitudes de alguns procuradores, juízes e mesmo do ministro Gilmar Mendes (aqui).

Não custa lembrar – porque a imprensa oficial(?) tem memória curta – Sérgio Machado dialogando com Romero Jucá (aqui). Deste ouviu a pérola (aqui misturado, para aproveitar a essência): “Tem que resolver essa p.... Com o Supremo, com tudo”. Ou seja, para Jucá a continuidade de Dilma à frente da Presidência da República levaria as apurações da Lava Jato até os peemedebistas. Incluindo algum bode expiatório do PSDB, o senador Aécio Neves o mais aventado.

Por outro lado, não podemos descurar dos ingentes esforços do juiz Sérgio Moro para livrar os amigos. Quando Yousseff citou Aécio Neves como beneficiário de propina de Furnas em seu depoimento lançou o famoso “não vem ao caso”. 

Assim também o fez quando Nestor Cerveró citou os 100 milhões de dólares de propina recebida pelo PSDB na compra da YPF argentina pela Petrobras, em 2002, tempo de FHC, em que o então tucano Delcídio do Amaral dirigia um dos departamentos da estatal. Sua Excelência afastou qualquer apuração sob tutela da Lava Jato porque “antecedia 2003”, e o período que lhe interessava – deixava subtendido – era o de Lula/PT para cá. O mesmo Moro já beneficiara a Globo quando apareceu o Mossack (administrador de fundos lá fora que controlava recursos da Globo, em nome de quem a mansão de Paraty).

Agentes do Ministério Público e juízes (alguns deles, porque não podemos comprometer a imagem das instituições pela ‘delituosa’ postura de alguns de seus agentes) já requerem e veem deferidos os pedidos para que tucanos envolvidos em denúncias de propinagem sejam beneficiados, respondendo por crime eleitoral e não por corrupção. 

Ou seja, saiam da seara da Lava Jato e passem a julgamento pela Justiça Eleitoral de seus estados. Alckmin já foi beneficiado. A seguir Marconi Perillo e Beto Richa. 

Os petistas não tiveram a mesma sorte nas mãos de Joaquim Barbosa, que não deixou de “fazer das suas” remetendo para a justiça mineira o mensalão/caixa 2 do PSDB mineiro enquanto ‘assumia’ o petista e passava a apurar e julgar quem deveria estar sob a tutela da justiça comum, inclusive de acusados que não tinham por foro o STF.

O que Gilmar Mendes denunciou em relação à Lava Jato, durante sessão do STF na segunda semana de abril – fatos sabidos e consabidos há muito – da existência de uma “indústria da delação”, mostra que não somente se tornou em atuação política, mas também criminosa, a de procuradores, advogados e, ainda que remotamente, o juiz Sérgio Moro – por alimentar e se alimentar de delações combinadas. Que o diga Léo Pinheiro, da OAS, e o próprio Marcelo Odebrecht, que mofariam na cadeia em Curitiba sem possibilidade de redução de pena, caso não inserissem Lula em sua delação.

Lula, muitos assim entendem, jogou fora a oportunidade de emparedar o STF quando não resistiu à prisão. Não por desobedecer a ordem, mas por ter sido – ela, a ordem – emanada ao arrepio da Lei, o que levaria o STF à decisão de delimitar entre cumprimento e abuso. Como aceitou, tudo fica legitimado.

Outros, no entanto, demonstram competência para emparedar STF, PF, e a Lava Jato é o próximo alvo deles, em benefício próprio. Os criminosos estão à solta – os não petistas ou os bagres que legitimam as arbitrariedades – tucanato emplumado livre, leve e solto.

Os dois links disponibilizados através do texto levarão o leitor à reflexão. Para então compreender o que está por trás do ataque às “delações combinadas”. Que não tem por alvo o grave crime em si, mas o desdobramento para evitar que os “amigos’ possam sofrer o que outros já sofreram.

O ministro Gilmar Mendes único dos pares do STF que compreende o jogo político (e sabe jogá-lo) domina os meandros do poder e sabe utilizar sua atuação em defesa de amigos e de interesses.

Para quem duvidar de sua capacidade de manipular fatos em seu favor lembramos apenas dois instantes extremos: o grampo sem áudio (onde acusou a PF de estar espionando seu gabinete e com isso terminou por ver o presidente Lula afastar o Diretor Geral da ABIN, Paulo Lacerda, que incomodava medalhões protegidos de Gilmar Mendes) e a concessão de liminar impetrada por advogada de seu Instituto (dele Gilmar) para impedir a nomeação de Lula para a Casa Civil da presidente Dilma.

Quando parcela do Judiciário começa a resolver os problemas do PSDB o ministro Gilmar Mendes reforça a luta contra a Lava Jato. Que, efetivamente, vem cometendo irregularidades e ilegalidades para obter muito do que tem obtido. 

Com o beneplácito do STF. Que o diga o falecido Teori Zavaski, que legitimou o vazamento do áudio grampeado de telefone do Palácio do Planalto, entre a Presidente Dilma e o ex-presidente Lula, crime cometido por Sérgio Moro.

Mas, daí até ver na denúncia do ministro Gilmar Mendes pelo purismo da defesa da legalidade é desconhecer os meandros traçados por Sua Excelência na condução da política através do STF. E não ver que não só de ‘delações combinadas’ se faz este país.

PRÓXIMA SEMANA: O país sem futuro.

sábado, 14 de abril de 2018

Sem dar um tiro


Os fatos recentes (nestes três, quatro últimos anos) passam ao largo da observação e da leitura histórica como se não fossem farinha e fermento para a massa que resulta no bolo recentemente assado. Imagine o leitor quando aprofundam-se em razões não alcançadas pelo vil mortal.

Vêm-nos, a propósito, a relação de eventos histórico-sulamericanos que relacionam José Manuel Balmaceda, Francisco Solano López (séc. XIX), e Getúlio Vargas (séc. XX), para se repetirem com Lula neste limiar do século XXI: a intervenção do capital externo através de governos. Ficamos com esses, para não nos estendermos a similitudes tipo Honduras, Nicarágua, Cuba, Costa-Rica, Panamá, Venezuela, Bolívia etc. etc.

Uma outra, de ordem interna, que reflete a conformação da sociedade brasileira, emergindo em sua dimensão classista como dominante em relação aos dominados. Sem compromisso algum para com a pátria.

Quem lembra de uma conversa por telefone entre Dilma e Lula, grampeada e vazada por Sérgio Moro para a imprensa? Os que lembram da violação à intimidade funcional de um Chefe de Estado ficam nos limites ‘teórico-formais’ da ilegalidade apenas. E, mais que isso, não atentam para o fato de que o então ministro Teori Zavaski, do STF, legitimou a atitude indecorosa e fortaleceu quem cometeu a ilegalidade, o juiz Moro.

Mas – caro leitor – ninguém atenta para um outro aspecto: a rapidez com que tudo se deu, entre o telefonema e o vazamento por Sérgio Moro, somente seria possível – afirmam-no os técnicos – utilizando-se de sistema tecnológico privativo da CIA e quejandos, nos Estados Unidos. Ou seja, a Presidente da República ‘continuava’ grampeada – como já ocorrera antes – e monitorada por órgãos estadunidenses, e estes passavam a autoridades brasileiras o que lhes interessava. Ou estas àqueles recorriam quando necessário, como no caso de Moro e o grampo.

Uma gravíssima violação à soberania nacional, que, em qualquer país que se dá ao respeito, levaria Sérgio Moro às barras dos tribunais. Não fora a aquiescência de Teori Zavaski, e a omissão, ainda, do Procurador-Geral da República de então e do Ministro da Justiça etc. etc.

Todo o escrito até aqui remete àquela relação posta no início: Balmaceda, Solano López e Getúlio Vargas, para repetir-se com Lula/PT e sua política de autonomia para o Brasil.

Balmaceda – levado ao suicídio para evitar uma guerra civil no Chile – promovera a competição entre capitais estadunidenses e os ingleses, no controle do cobre quando a Bretanha dominava o mundo. Buscava superar – com o dinheiro dos Estados Unidos – o controle da Inglaterra, que importava o cobre a preço vil e o devolvia a peso de ouro. Balmaceda tentou beneficiar o cobre no próprio Chile, ali industrializando-o. Caiu.

Solano López – Satanás pintado pela história oficial brasileira – reformava profundamente o Paraguai e já desenvolvera uma indústria naval e bélica que incomodava a Inglaterra. Lembra o leitor que, ainda ao tempo da rainha Elizabeth, no séc. XVI, o dito trazido por Sir Walter Raleigh, de que “Quem dominar os mares dominará o mundo”, fizera da coroa britânica (inclusive se utilizando da pirataria em benefício próprio na disputa contra a Espanha) estar em qualquer parte do planeta em pleno dia, porque o ‘sol não se punha no império britânico’, com colônias e possessões que iam da América ao Oriente, África e Austrália, sem descurar do Oriente Médio. 

Moveram-lhe uma guerra (a Solano López), depois da provocação, e o mataram (alguma semelhança com Saddan Hussein, em tempos de controle dos Estados Unidos, não é mera coincidência).

Getúlio Vargas se utilizara de meios como os de Balmaceda – capitais externos – para industrializar o Brasil, inclusive estadunidenses (Volta Redonda) e alemães (Mannesmann). Mas não se curvou a entregar a Petrobras. Suicidou-se para evitar uma guerra civil ensaiada e por consumar-se.

Lula tornou o país competitivo, respeitado, e melhorou a vida dos brasileiros com políticas públicas de distribuição de renda, incluindo ganhos reais para o salário mínimo, a ponto de tais políticas levarem o país ao menor índice de desemprego, de 4,3% (pleno emprego, para a teoria econômica). E – a causa maior de sua desgraça – descobriu o pré-sal e suas reservas que ultrapassam os 100 TRILHÕES de dólares e as fez vinculadas à Petrobras sua exploração (pelo sistema de partilha), pretendendo que os resultados econômico-financeiros fossem destinados à educação, à saúde e à pesquisa científica.

Os interesses dos agentes econômicos dos países hegemônicos sempre fizeram desta América Latina e Central o quintal para uso e abuso. Quando algum líder destas bandas se levantava para enfrentá-los a intervenção armada o destronava.

Atualmente, a intervenção é política, e não bélica. Com apoio judicial. A experiência paraguaia, que derrubou Lugo, se repetiu em plenitude aqui. Inclusive a embaixadora estadunidense que por lá andara, assim que exitosa, migrou para a terra brasilis.

Por tais razões, observadas sob o que a História nos permite utilizar, até que nos provem a existência do crime cometido por Lula para condená-lo – não na base de teorias esdrúxulas e destoantes com o próprio processo – tudo não passa de dominador e dominado. 

Difícil compreender que o dominador hoje se utiliza do dominado e de algumas de suas instituições para sair vitorioso. Com o público interno como massa de manobra. E vence a batalha sem dar um tiro.

Próxima semana: análise sobre a denúncia de Gilmar Mendes, em torno das ‘delações combinadas'. O que está por trás de uma aparente defesa da constitucionalidade.

domingo, 8 de abril de 2018

Semana em três estágios

Aviso sinistro
O que vimos no início e curso desta semana que passa, deixa sequelas profundas nas instituições que conformam um Estado de Direito. Por suas contradições e conflitos no plano do domínio do como devem funcionar tais instituições, enchem o ar as nuvens plúmbeas.

A fala de um general não deixa de levantar dúvidas: se faz ou não o papel de inocente útil ou vaidade ou desconhecimento dos limites de suas funções. Ficamos com o primeiro caso, mas na certeza de que consciente do que faz. 

De sua fala, de que “O Exército brasileiro compartilha com todos os cidadãos de bem o repúdio à impunidade...” certamente não se referia aos crimes contra a Humanidade cometidos por muitos de seus agentes, durante a ditadura pelos pares comandada, para os quais foi adredemente elaborada uma anistia que os protege até hoje.

Da matriz político-ideológica transnacional, na pessoa de seus agentes especiais incrustados no judiciário e ministério público, a iniciativa de desmonte do estado nacional e de sua capacidade de autodeterminação caminha a passos céleres.

Falando do inocente útil, a sua história (a do inocente útil) está afinada com qualquer estágio de interesses (políticos, geopolíticos, estratégicos etc.) e somente existe enquanto apresenta utilidade. 

Que o digam Bin Laden, Saddan Hussein, Muamar Kadaffi no plano internacional recente; Heloísa Helena, em 2006, Marina Silva, em 2010 e 2014. Destas, a última ainda tem utilidade, especialmente por sua conversão ao mercado; da primeira, nem rodapé de anúncio de utilidades domésticas.

Assim também os da atualidade. Lamentavelmente, quando não mais restar ao Brasil.


Resta uma ideia quando os sinos dobram
Não cultivamos o que imaginávamos um dever: obedecer a Constituição. Fora dela – como referência à lei, dito atribuído a Rui Barbosa – não há salvação. E não se culpe o povo, mas algumas de suas instituições. Em especial aquela a quem cabe a guarda da Carta Magna.

O STF – personalizado em algumas peças inteiramente assustadas/assombradas com o que possa a Globo achar/julgar – aprofunda o desregramento. Fica isolado em meio aos que interpretam a lei, porque optou por afagos individuais e a promover a decisão político-partidária em vez da judicial.

Não se trata da questão Lula em si, e sim da vigência plena da Constituição. No instante em que a Presidente Cármen Lúcia negou-se a pôr em pauta a análise de mérito de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (cuja decisão repercutiria em todos os casos), interpostas no imediato da decisão de 2016 (que violou disposição pétrea da Carta), não passa o STF de um arauto do descalabro, que acaba de dar um aviso sinistro: o de que o abismo é logo ali, a um passo infantil.

Em razão disso, passamos a ocupar o patamar de subnação, não mais aquele país que sentava em meio aos maiores dirigentes mundiais como um deles. Em definitivo restará qualquer saída. Inclusive a militar. Não há com que se preocupar o cidadão com esta ‘casa de mãe joana’. Da intervenção congressual, da judiciante (incluindo da imprensa) a qualquer outra o STF está aí para legitimar, como tem feito nestes tempos bizarros.

Caminhamos céleres pelos caminhos do desregramento. Não aquele pela anomia, pela inexistência de regras; mas, por tê-las e não cumpri-las. Deu-se ao estado destituído de regras a denominação de anarquista. Nem a isso chegamos, porque nos faltam teóricos! Caso fora para o caos certamente os teríamos de sobra. 

Tratando-se particularmente do STF há um culpado, inocente que seja. Analisando o registrar dos votos contrários ao habeas corpus cinco decorreram das indicações de Lula (2) e Dilma (5). Dos favoráveis, indicações de Sarney (1), Collor (1), FHC (1) e Lula (2). Com um singular detalhe: as escolhas de Dilma o foram sacramentadas por José Eduardo Cardozo, a pior escolha que um presidente da República poderia fazer para o Ministério da Justiça.

O Estado brasileiro vive instante de profundo cinismo. O STF – como um todo (ressalve-se uns poucos) – integra essa realidade. Para ela – a história registrará – o PT tem sua parcela de culpa. Por nomear tantas figuras inexpressivas.

O que ora se consuma coroa o que registrou Rogério Dultra, Doutor em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, em entrevista ao GGN:

O PT "não soube dominar as instituições repressivas no Brasil no sentido positivo, republicano, de fazê-las funcionar de acordo com a Constituição. Outras forças – que dizem respeito não só a questões políticas e econômicas, mas também ideológicas – passaram a ditar o que o sistema repressivo deveria fazer. E daí foi escolhida a necessidade de repressão às esquerdas".

Por não dimensionar e compreender hoje paga a conta. E a maior vítima é o povo.

Dobram os sinos chamando para o sepultamento da soberania e autonomia de um país que quase chegou a permanecer grande.

Apenas resta a esperança. De que uma ideia não pereça.

Lula, a ideia
Para o jornal francês Le Monde “Lula não é Lula, Lula é uma ideia. E uma ideia não vai para a prisão”.

Em pronunciamento neste sábado o ex-presidente já afirmara ser uma ‘ideia’ a multiplicar-se naqueles que nele viam personalizada a injustiça.

Talvez a prisão de Lula – mais que ela, a impossibilidade político-eleitoral de concorrer em 2018 – traga a pacificação para a esquerda.

Lá fora reúnem-se vozes, às centenas, pedindo liberdade para Lula. Denunciando os abusos e violações por que passa o líder mundial sob o cutelo de parcela do Judiciário, atuando em dimensão político-ideológica. Nenhum aplauso para acusadores e sentenciadores.

Muitos em êxtase; milhares atônitos. Para os que veem nos fatos últimos o coroamento da disputa entre o Bem e o Mal a prisão em si é a realização da justiça, porque formalidades e materialidades processuais não importam. 

Para os que se veem no pântano da incompreensão – porque não há provas nos autos de condenação – a dúvida recai sobre as próprias instituições por sua natureza e função.

Certo que o país abre as portas da interpretação judicante para teorias esdrúxulas, alheias ao ordenamento prático. E, mais que isso, aplicadas em inteira dissonância com a própria realidade – ao sabor da conveniência – como ocorreu com o denominado ‘mensalão petista” (porque o mineiro, mais antigo e pai de todos, corre em águas plácidas para as prescrições).

Naquele (mensalão, caixa 2, no fundo) uma ‘teoria do domínio do fato’ para aplicar-se diante da ausência de provas em relação a muitos (inesquecível a Rosa Weber em sua Macondo, afirmando no voto em que Dirceu sucumbia, que não tinha provas contra ele mas a literatura jurídica a autorizava a condená-lo); neste, a ‘teoria da abdução das provas’, dos indícios à falta de provas.

Assim, a supervalorização das provas indiciárias (dentre elas uma matéria jornalística sem comprovação): ou seja, o conjunto das provas indiciárias, à míngua de provas cabais que não foram encontradas, bastou para condenar Lula. Não fora a singular figura do ‘ato de ofício indeterminado’.

O jurista Lênio Streck já denunciou, em artigo publicado no GGN, as loucuras hermenêuticas do Ministério Público, tipo aquela em que se amparou Moro para condenar Lula.

No fim, fica-nos o raciocínio se a condenação de Lula não se deu por não ser amigo do rei.

Duro será quando o vigia da esquina achar que você não é amigo do rei. E pior, interpretar que o rei é ele.

Post scriptum
A razão por que tudo ora acontece – ainda que em muito revelada/relatada neste espaço – impõe a disponibilização da análise em artigo do ex-senador Saturnino Braga, "Meu querido Brasil", reproduzido no Conversa Afiada.

Há muito, mas muito mais por dizer – sabe-o o povo que foi beneficiado com políticas públicas "como nunca antes"...

Não fora a singular circunstância na história brasileira: dois líderes, oriundos de classes dominantes regionais sulistas (Getúlio Vargas e João Goulart) passaram à História pelo suicídio e o golpe militar quando apreciaram mudanças na conformação social para beneficiar o segregados da senzala. O que dizer de quem nascido na senzala... nordestina? 


domingo, 1 de abril de 2018

Entre o ativismo e a ignorância

A ignorância
Temos escrito – às vezes profecias e contundentes conclusões – diante de fatos concretos, arrasadores por suas consequências à vida nacional.

Dentre elas – a que nos toca mais – a pretensão de muitos julgadores – em todas as instâncias – que se veem em dimensão de absoluta supremacia em tudo. O desconhecimento em relação aos universos da geopolítica, da hegemonia, da economia política, da história, da geografia, da sociologia, da filosofia (tudo com letra minúscula, mesmo, para alcançar o nível) não impede que se imaginem dominá-las, ainda que a grave omissão no plano da informação e do conhecimento resulte em prejuízos (gravíssimos) ao país.

Gilberto Freyre (vídeo abaixo), em conferência proferida em 1985, no 2º Congresso Brasileiro da Psicanálise d’A Causa Freudiana do Brasil, desancou em torno da compreensão do mundo jurídico pátrio, desde a criação dos dois primeiros cursos e a formação acadêmica herdada de Coimbra, por sua dissociação em relação à realidade social. Trinta e três anos depois e nada mudou. Ao contrário, piorou... e muito.

Mais se agrava a piora no instante em que passaram julgadores do STF a exercitar a função de legisladores – por desconhecerem ou não respeitar os limites institucionais que lhe são impostos – ainda que lhes falte a base fundamental para tanto: a representação oriunda da vontade popular.

“Fechados no seu juridicismo”, divinizado(s) “como intelectual supremo”, “Grande parte dos juristas brasileiros precisam (sic) de ser psicanalisados” – são algumas das expressões com que Freyre os vê. 

Fizeram – como cita o mestre de Apipucos – com que as Escolas de Ciências Sociais passassem a ser de Ciências Sociais e Jurídicas e, logo adiante, de Ciências Jurídicas e Sociais, através de “uma estratégia jurídica em favor de um juridicismo preponderante”. 

Magistocracia” pode ser acrescida ao rol – arrasadora definição que lhe dá Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional da USP, em artigo na Época, aqui disponibilizado através do Conversa Afiada. Com um detalhe: Suas Excelências vão conformando um poder que, em alguns casos (não poucos) admite/permite o caráter de hereditariedade.

Por fim, considerando o título acima cumpre registrar que nada tem a ver com “A ignorância ao alcance de todos” (Editora Letras e Artes), de Nestor de Holanda (1921-1970). Tirante aquele “melhor votada” da ministra-presidente do STF, Cármen Lúcia – que aplicou o adjetivo ‘melhor’ em lugar do advérbio ‘mais” (quantitativo) – aplicado à votação da vereadora Marielle, o que muitos andam fazendo não justifica qualquer registro em livro que tenha utilidade para o aprendizado.

            


Ministro(?)
A postura do Ministro Edson Fachin deixa questões no ar. Além dos aviões de carreira, para lembrar Apporelly, o Barão de Itararé.

Não falta quem insinue a denunciada ameaça ao ministro à reação da esquerda – leia-se PT/Lula – em razão do voto proferido (em que foi derrotado) na discussão em torno do habeas corpus. Ainda que em instantes mais pretéritos tenha arrebentado PT/Lula sem que qualquer ameaça tenha ocorrido.

Cheira mal a divulgação de ameaça através de rede de televisão sem apresentar prova. Até porque – prova havendo – caberia a Sua Excelência, sem alarde, encaminhá-la a quem de direito para apurar. 

Quanto à rede de televisão – que não bate prego em estopa – a entrevista reflete interesse subliminar. O que quer dizer: pressões em diversos fronts.

Caso não cheirasse a mais nada, restaria a fragrância da irresponsabilidade para com os destinos da nação.

No palco armado, abra-se mais o pano. Tiros (caravana de Lula no Sul), Fachin (na rede Globo), Noblat (no Globo), Marielle (morta) geram o perigo maior: eleições.

Um cadáver não será necessariamente o grande pivô. Mas a sua existência na mídia.

Com contribuições valiosas como a do ministro.

Por mísera e mera coincidência a reafirmação da denúncia contra o senador Aécio Neves fica em segundo, terceiro, quarto, quinto plano(s).

Finalmente, resta-nos a dúvida: Edson Fachin, no sistema televiso da Globo, foi ministro ou agitador, naquela linha de Cabo Anselmo, de agente provocador?