domingo, 25 de fevereiro de 2018

Aqui, nada a esperar

"O Processo", de Maria Augusta Ramos, abordando o impeachment de Dilma Rousseff, vence o prêmio de melhor documentário na mostra Panorama, do Festival de Berlim, na escolha do público, que o aplaudira durante dez minutos depois da exibição. 

Tema cansado por estas plagas. Reconhecido o absurdo, mas 'legitimado' em todas as esferas. Tanto que o ratificou  pela omissão, quando provocado  o Supremo Tribunal Federal.

Mas de absurdo passa a (sobre)viver o país.

No curso da semana dois exemplos esponenciais: Ministro de Estado defende um tal de "mandado de busca e apreensão coletivo" e associação de juízes federais anuncia paralisação em defesa do "auxílio moradia".

As duas imoralidades configuram a quantas anda este Brasil varonil. 

Imaginar uma busca e apreensão não individualizada cheira a autoritarismo. Na defesa do indefensável tudo se torna possível. Aliás, o que muito vem acontecendo na terrinha. Cheira a ação preconceituosa, marca do pensamento de uma classe dominante que sonha em retomar a casa grande e tornar o resto senzala. Afinal, ninguém imagina que um tal mandado seja expedido em relação à 'coletividade' do Leblon e quejandos.

Não imaginamos que tal absurdo venha a prosperar. Mas, aprendemos a não duvidar nestes tempos estios em que o Estado de Direito há muito foi lançado às calendas.

Até porque tem nascido, de quem deveria defendê-lo, outra esfera de autoritarismo, porque exercitado sob a égide do exercício do poder estatal.

Para quem duvide acompanhe a ameaça (aqui) da associação de juízes federais: paralisação em defesa de 'auxílio moradia'.

A imoralidade ganha foros de "reposição salarial" (indevida como tal) para justificar concessões tais como a de ser levada ao contracheque de um casal de magistrados. Ainda que residindo no mesmo apartamento. Ou de quem, tendo moradia própria, busca-o pela generalidade de sua instituição.

É a desmoralização dos poderes da República, promovida por membros de um destes poderes. Sim, porque não temos conhecimento que pretendam Suas Excelências estendê-lo aos barnabés. 

Ressalve-se que nem todos os magistrados utilizam-se da sinecura imoral. No entanto, a maioria não a dispensa.

Que esperar de um país onde parcela do estamento dominante não enxerga além do próprio umbigo? Nem reza brava  dirá o caboclo dos cafundós.

Só nos resta documentários exibidos no estrangeiro, onde melhor compreendidos e reconhecidos os absurdos que norteiam nossa realidade.

Porque por aqui, nada a esperar.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Perfumaria

O país foi surpreendido (?) com a iniciativa formal do interino tornado presidente de intervir na Segurança do estado do Rio de Janeiro. Em razão do desnorteio que rege o que a imprensa oficial denomina de administração federal, a medida traduz, de imediato, a incompetência do Governo na condução da Segurança Nacional. Não é a violência carioca - cantada e decantada pela mídia - a expressão única do desmando na área. 

Carnificinas nos presídios, redução de efetivos no combate ao tráfico e ao contrabando de drogas são a ponta do iceberg. Uma função que exige atuação em todo o território nacional a partir de suas fronteiras. A cargo de órgãos federais (PF dentre eles).

Mas, nesse particular quesito, o Governo Federal, dos gastos levados ao orçamento para a Segurança Pública, cuidou de contingenciar/reduzir em 10,3%. 

O emprego, que esteve pleno, no limite de 4,5% gira em torno dos 13%. São milhões de trabalhadores, antes ocupados, lançados ao desespero da sobrevivência. Só no Estado do Rio de Janeiro milhares foram os postos fechados somente na indústria naval.

A Cidade Maravilhosa há muito vive uma crise, construída sobre pilares de interesses particulares. Observou-nos uma amiga e colega de infância, Gláucia Valadares, casada com um cônsul colombiano, em 1985, que o Rio já apresentava os problemas que ela vira em Medellin, em todas e iguais etapas que a tornaram dominada pelo crime. Mais de trinta anos passados. Afaste-se, pois, a ideia de uma crise imediata.

Estranha, no instante, ainda que o crime tenha se reduzido em 2017, em relação a 2016, que a medida extrema tenha sido promovida. E, mais estranho, somente em relação à Segurança. Afinal, tudo que atinge o Rio de Janeiro (contrabando de armas e tráfico de drogas) há muito convive com uma realidade histórica: a corrupção.

No quesito corrupção ninguém por lá escapa, em qualquer dos poderes. Somente as honrosas exceções.

Mas a intervenção atinge só a Segurança. Sob esse particular, resta indagar quem ou quais os por ela visados. Uma certeza encontra uma resposta: as favelas.

A primeira indagação, nunca feita, a não ser sob o condão acadêmico, gira em torno da razão da existência de favelas em qualquer lugar do planeta. E veremos que nascem como única saída para os desassistidos pelo Estado, especialmente no quesito emprego e moradia. 

Mas, uma segunda indagação leva-nos à certeza de que consumidores de droga e armas não estão somente nas favelas. Assim como contrabandistas e traficantes. A gente do asfalto alimenta o negócio, quando não o comanda.

A comercialização gera lucros imensuráveis, não só na terra brasilis. 

Não há consumo sem fornecedor. E o que move o giro é o interesse financeiro. Nunca esquecer que o Rio de Janeiro já foi controlado, até pouco tempo, pelo jogo do bicho. Políticos, inclusive, faturavam com ele. Em propina e prestígio político. Outras as fontes, atualmente.

E por falar em Segurança não custa lembrar: a quantas andam as apurações e responsabilizações em torno daquele helicóptero com meia tonelada de pasta de cocaína?

Temos certeza de que aquela cocaína não se encontra nas favelas. A não ser que o dono do helicóptero e da carga a tenha para lá levado. Afinal, um amigo tem residência no Leblon.

No mais, perfumaria apenas. Em fez de disponibilizar água e sabão lance-se perfume sobre a sujeira.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Véspera


Passados vinte dias do julgamento. Tempo para recobramo-nos da depressão causada pelo desencanto de viver no país que insiste em não ser nação, onde as instituições não o são em si, mas tão só – a cada dia que passa tudo se agrava – instrumento da oportunidade. Quando ‘esquecemos’ – pela conveniência casual – de centenas de anos de certas teorias, dentre elas, a da prova, só resta o suicídio – ao materialista convicto – ou rezar – ao espiritualista na dimensão fuerbachiana, que sublima em outro plano a incapacidade/impossibilidade de realização, quando representa Deus como um ser pessoal existindo fora da razão e de si.

Favas contadas. Antecipado, até, o resultado. Desde Noblat, em julho de 2017, que afirmava certeza de que o TRF-4 não só manteria a condenação como aumentaria a pena, até a TV Bandeirantes, ainda na manhã do julgamento, mal começara este (o relator nem mesmo iniciara a leitura de seu voto), afirmando: “Lula é condenado por unanimidade...”.

Morte anunciada, sabia-se, e agradecíamos a Gabriel Garcia Marquez haver escrito que tal ocorreria através de uma “crônica”. Afinal, em jogo a conformação de uma sociedade que imaginávamos superada. Aquela sob absoluto controle de uma classe dominante patrimonialista, que sempre teve o país – desde os idos de Colônia, não custa reconhecer – como feudo pessoal e fonte de recursos.

A isso, o surgimento de um líder popular, oriundo da base nordestina de miseráveis, que chegou ao Poder e de lá melhorou a vida de muitos iguais (para isso, reduzindo ambições daquela classe dominante) não atendia aos reclamos daquela gente, especialmente quando demonstrou que sua liderança – através do partido – ensaiava perpetuar-se.

A morte anunciada, no entanto, não reside neste texto ao antecipado resultado do julgamento. Mas ao próprio, por suas consequências.

Dispensemos aqui as considerações diante da realidade, que deixamos plenamente traduzida no registro de Vladimir Safatle em artigo na Folha: “Um país onde Lula é condenado e Temer é presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio”.

No âmbito processual a consolidada teoria da prova foi lançada às calendas e prevaleceu o “eu acho” judicante como axioma. Ao juiz cabe decidir por princípio e não política ou moralmente. Os fatos que instruem um processo precisam ser comprovados não só por si, mas em sua relação de causalidade entre o fato e a conduta. Para tanto hão de ser sopesados entre o que acusa e o que defende.

Ao julgador cabe contrpesar em torno a qualidade das provas e ‘não sua inexistência’. Em nenhum instante qualquer dos senhores desembargadores cuidou da avaliação da prova pelo juízo de origem (alheias à prova dos autos) e nem mesmo citaram uma vez que fosse um argumento da defesa. Preferiram, e neles se sustentaram, as delações. Ou seja, o bandido que delata é a prova por excelência. Lembremo-nos de Léo Pinheiro que nunca teve sua delação aceita até que nela incluiu o nome de Lula.

Não, caro leitor. Não é a corrupção o que está posto em julgamento. Caso o fosse não haveria necessidade de contorcionismos tipo ato de ofício indeterminado, corrupção complexa, não receber mas solicitar. Tudo envereda na grande fábula que se torna conto da carochinha.

Sim, morte anunciada, para a credibilidade do Judiciário Brasileiro. Melhor ilustrado por Aroeira. Porque véspera da Quarta-feira de Cinzas.