quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Salve, Jorge!

Nestes 105 anos de nascimento do ferradense Jorge Amado disponibilizamos crônica que está em Portal da Piedade (livro no prelo) e, o sonho não realizado, o Projeto "Irmão JORGE, 100 anos AMADO", de 2010, posto em vídeo.

Ei-los.


Longe do palco

Já registramos em outro escrito (Itajuípe) a representação ideologizada da terra cacaueira como palco – ainda longe a saga grapiúna – no Jorge Amado de Cacau. Ali posta, ainda que en passant, a expressão empírico-amadiana da luta de classe nas relações capital-trabalho tendo como coxia as terras do Sequeiro, as gentes sob ótica maniqueísta, em sua tradução do marxismo recém ensaiado pelo viés stalinista, objeto de inspiração para o ferradense.

Há na região quem veja naquela obra o início da literatura grapiúna em Jorge Amado. Discordamos, salvo melhor juízo, justamente porque não está em Cacau o que se materializa nos diversos planos científicos exigidos para a compreensão  da Civilização Grapiúna (Antropologia, Sociologia, História, Economia, Política, etc.) elaborados e fixados a partir de Terras do Sem Fim

Em Cacau grapiúna é apenas o ambiente para o jovem idealista carbonário, não o tema. Que não deixaria de sê-lo se ambientado no canavial, no cafezal, nos gerais, na mineração, nos pampas. Tão só – sem deméritos – o proletarismo regionalizado, subsumido no panfletarismo da luta em defesa dos oprimidos. O inconsciente coletivo da grapiunidade, móvel concreto da sociologia regional, aguardará Terras do Sem Fim para desencadear-se em exibição como exercício de identidade definitiva, aprimorando-se em São Jorge dos Ilhéus e se fechará, como ciclo literário autônomo, com Tocaia Grande, passando por Gabriela, Cravo e Canela, que exibe, premonitoriamente, os sinais de mudança por que passará a região no enfrentamento à tradição.

Desde então, existe; como signo. Com a história própria, e única, de uma saga. Não mais o palco das batalhas, mas as gentes todas que deram forma à epopeia de uma civilização provida dos elementos necessários à conformação do ethos grapiúna: povo, território, cultura, economia, leis, valores, sociedade consciente (dominante e dominada), símbolos, evolução do nomadismo ao sedentarismo, significados nela brotados, refletindo em unidade e maneira própria de ser, com capacidade de ser entendida em sua diversidade e abstração política capaz de reconhecimento pelo método científico.

Chama-nos a atenção que tal fato não tenha ainda despertado Itabuna, particularmente, para o que, em si, representa no contexto amadiano. Ao largo, JA é apenas um menino nascido em Ferradas no início da segunda década do século XX, fugado pela enchente e pela tocaia ao pai para a praieira Ilhéus, antes de descambar para a Bahia, onde aprimora estudos e quase não aparece no lugar onde nasceu.

De registrar que Amado nunca negou sua origem. E O Menino Grapiúna o confirma em prosa.

A densidade espacial dessa literatura codinominada grapiúna – se tomamos o núcleo das batalhas pela terra – está no entorno de Itabuna, com registros específicos para as plateias encasteladas em Ferradas e Mutuns, sem dispensar Pirangi. Sob o viés do coronel como motor da construção de um elemento de significativo conteúdo econômico – o cacau – são elas o centro de atenção.

Atentemos para um fato pouco explorado: em que pese as terras disponíveis, dentro das sesmarias originadas da Capitania de São Jorge dos Ilhéus, somente o solo próximo ao litoral foi objeto de lutas para a conquista, a ocorrer, em intensidade, no município recém emancipado. O universo de planície de mata até a encosta da Ouricana, limite com o planalto que alimenta a região da Ressaca, fronteira denominada do rio Pardo, onde erigida Vitória da Conquista no topo do acidente geográfico, não foi objeto da cobiça e deixada o foi para o aventureiro da pecuária na sede de João Gonçalves da Costa e do filho José. Muitos foram os fatores a sustentar esse desinteresse, dentre eles a dificuldade de acesso do litoral ao interior e, consequentemente, de trânsito para o produto, facilitado à mercadoria transportada pelos próprios pés.

O sangue derramado e o desenvolvimento de métodos como o caxixe, ausentes naquele universo físico – ou menos presentes, assim vemos –, são fruto daquele desinteresse.

Não têm faltado iniciativas – esparsas, que sejam – visando tornar Itabuna uma referência amadiana nos moldes efetivados por Ilhéus. Que soube – com inteligência e organização político-administrativa – muito bem utilizar-se do que relatou Jorge em torno de si.

Cabe registrar, dentre aquelas, a posta pela ACODECC e ACARI, em projeto no ano de 2010, como instrumento antecipativo do centenário do ferradense, apropriadamente denominado de “Irmão JORGE, 100 anos AMADO”. Que legou, quando nada, a reconstrução (inserida de um teatrinho equipado), da casa onde morou Jorge no imediato da fuga da Auricídia depois da enchente de 1914, a instalação de um pedestal que recebeu uma estátua do escritor e projetos culturais (um deles, internacional) dotando Ferradas como destino de autoestima e reconhecimento em torno do ilustre filho.

Talvez, como lembra-nos um amigo, ainda se mantenha em nosso seio a resistência ao comunista, razão por que muito mais valorizado para a classe dominante regional – aquela objeto de desnude por JA – o integralista Adonias Filho, da vizinha Itajuípe.

Encontramos em Hélio Pólvora a seguinte afirmação: “Os adeptos da camisa vermelha, em grande minoria no sul do Estado, e sem força do dinheiro, levavam a pior; [...] A presença do Integralismo era tão marcante em terras cacaueiras que até meu pai, homem simples e sem quaisquer ardores político-ideológicos, comprou um exemplar de Minha Luta (Mein Kampf) de Adolf Hitler – e logo depois arrependeu-se.” (O que a minha geração leu, em O Espaço Interior).

Ao que parece, Itabuna – como um todo – ainda não se arrependeu. E lança às calendas uma fonte turística de cabedal internacionalmente reconhecido e buscado.

E com isso perdemos a participação no épico que nos cabe com palco e personagem.

O resgate histórico se impõe. Certamente porque há uma lacuna a ser preenchida. Que muito bem pode estar expressa no que diz Gustavo Veloso, ferradense, autor de Ferradas: um capítulo na História do Brasil (Via Litterarum-2010), de quem tomamos as seguintes palavras (tão só substituindo o tempo verbal do condicional para o presente): Itabuna só será projetada para o futuro se dispensar a Ferradas as atenções que faz por merecer

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