domingo, 16 de julho de 2017

Contratualismo versus patrimonialismo e a ponta do iceberg

Iceberg
Bingo! Perfeito Wadih Damous no Conversa Afiada: “Com todos os avanços que se conhece, se há um erro na era petista que merece ser sublinhado foi a crença vã de que a burguesia brasileira é dotada de um mínimo de convicção democrática e republicana e que parte dela, situada no centro político, fosse capaz de um olhar sensível para as transformações sociais em curso no país.”

O raciocínio exige uma razão como contraponto, considerando a massa beneficiada: há de ser levado em conta o fato de que um outro polo – o alcançado pelas transformações – não foi alcançado para fazer força suficiente à ‘incompreensão’ da burguesia. Ou seja, o PT/Governo(s) pretendeu convencer tão somente a classe dominante, porque entendia que a base da pirâmide social o sustentaria. Ou melhor, por ela teria sido compreendido.

Essa sustentação – que assegurou 86% de popularidade a Lula quando deixou o governo – não se materializa na realidade. Basta ver a votação de Dilma para obter o segundo mandato, ainda que as mesmas políticas transformadoras estivessem em prática.

Esse ponto sempre norteou nosso pensamento em relação ao PT governando.

Vimos em Itabuna, nas duas gestões petistas. Como o vimos em nível Federal. O raciocínio de que o outro lado veria na perda de espaço apenas “um tempo”, que o toleraria porque a situação do povo em geral melhorou, e viria a aplaudir as políticas públicas postas em prática beira a idiotia purista, sempre nos soou como discurso pelo discurso.

Compreendemos – não o diz Damous – que se trata de um entendimento amadorístico de aplicação do republicanismo como conceito e suficiente para contrapor-se ao patrimonialismo. Sob tal viés, de não entender que aquele e este são incompatíveis.

Assim, ao não entender que um país construído, historicamente, sob privilégios de um patrimonialismo nefando, escravista, a aplicação pura e simples do republicanismo soa apenas como instrumento pedagógico, que depende de tempo (e instrumentos conscientizadores, através da internalização dos elementos que lhe são conceituais) que levem – sabe Deus o tempo! – a alcançar a consciência de pátria, nação, cidadania, o que passa – necessariamente – pelo controle da comunicação.

Tal republicanismo – a história do país o demonstra, quando analisado em termos comparativos – somente pode ser plenamente aplicado proporcionalmente a uma sociedade que os entenda inteiramente. Caso contrário, como exemplo que o seja, exige um processo de educação cívica. 

Sem essa, também no ralo o respeito às instituições que fariam da pátria, da nação e da cidadania os pilares e valores do Estado Nacional.

Damous abre a discussão interna. Para quando o PT retomar o controle das Políticas de Estado em favor da transformação da sociedade brasileira, como ocorreu nestes anos petistas à frente do Governo Federal.

Quando nada, que possa servir de exemplo a outras vertentes políticas à esquerda.

Afinal, apenas a ponta do iceberg veio à tona. Trazendo riscos como o observado por Aroeira.

 


Contratualismo versus patrimonialismo I
Não há Hobbes, Locke ou Rousseau que consigam teorizar um Estado moderno sob a égide do patrimonialismo. Tampouco Montesquieu edificará instituições que o consolidem sob tal domínio, se cada um dos poderes se apropria em benefício próprio. Este é cancro que corrói aquele, através de uma classe dominante, dirigida por sua elite crème de la crème que a tudo comanda em benefício particular. Desde o que dependa da ação político-eleitoral ao que deva decorrer de seleção.

O contratualismo desenvolvido no curso de quase dois séculos se viu aperfeiçoado no Iluminismo e Montesquieu lhe deu a fórmula institucional, de poderes independentes e harmônicos, onde o contratualismo lockeano e rousseauriano se materializavam por via da representação popular, mais acentuada em Rousseau, que a via melhor na comissariada, onde as decisões dos representantes passariam pelo crivo dos representados (plebiscito) para sua confirmação.

Fundado em premissas hobbesianas o absolutismo monárquico primitivo tem sua incompatibilidade justamente em não conseguir conviver com a res publica porque aquele tinha como proprietário o monarca, legitimado pelo ‘divino’ – como o teorizou Jacques Bossuet – que lhe assegurava o poder conferido e só à divindade cabia prestar contas. Nunca ao povo, porque a este cabia sustentar aquele.

Contratualismo versus patrimonialismo II
O patrimonialismo contemporâneo – histórico nesta terra brasilis desde primórdios da Colônia, quando D. Manuel, O Venturoso, distribuiu ‘suas’ terras (as brasileiras) em Capitanias hereditárias – exercita, por sua classe dominante, aquela incompatibilidade teórica, tornada prática, onde nada escapa, tornado casta monárquica diluída nos diversos e distintos segmentos oligárquicos, que disputam no dente a parte maior do bolo, mas se unem, xifópagos, quando algo põe em risco dito controle. Nem mesmo a representação popular, peça tão somente do jogo político para controle do poder ‘absoluto’ da classe que o controla.

Inegavelmente a pedagogia petista no exercício do poder somente encontra melhor compreensão em sociedades onde a consciência cívica melhor se formou, ainda que não em plenitude. E paga o preço – alto para a sociedade – por não haver inserido no contexto da consciência a autoestima que fez presente enquanto governou.

O trabalho desenvolvido – com empenho pelas instituições todas que traduzem essa visão oligárquico-patrimonialista – reside, hoje, em sepultar Lula como líder e tornar o PT o PTB de Vargas.

O golpe é uma fase. A primeira desta etapa. Onde o patrimonialismo está vencendo o contratualismo.

Contratos: de Rousseau ao brasilis
O Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau tem natureza abstrata.

No Brasil, concreta. Assinado, objetivamente, entre integrantes da classe dominante partilhando o butim oriundo da queda do Estado Democrático de Direito que capengava, mas existia.

Resta-nos o moralismo religioso: entregar a Deus.

A batalha perdida
Falando de conquistas que a sociedade não enxerga, porque mais lhe interessa sobreviver à fome e à miséria da qual havia escapado mas não compreendia que fora real, um ponto se fazia crucial ser posto em prática: a comunicação.
Tal não ocorreu, em essência.

Tanto que a ela resta, de tudo que passamos, sublimar na volta ao folhetim como Esperança. No horário nobre da televisão, como no horário nobre do rádio antigamente.

Dessa forma, a sociedade – no plano geral – afetada pela ‘informação’ deixa de enxergar o que é visível. Não percebe, no imediato, que ocorre. Desprovida de espírito crítico só descobre que existia leite depois de derramado e faltar-lhe na mesa.

Carta Testamento I
Das lições imediatas deixadas pela insustentável condenação de Lula – esperada porque programada e articulada para acontecer e ferir de morte o ex-presidente como político e o PT como partido – aquela posta por Lula na entrevista coletiva concedida: “Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”.

Resposta de um Getúlio Vargas vivo, dispensado de Carta Testamento.

Carta Testamento II
Das lições imediatas deixadas pela insustentável condenação de Lula – esperada porque programada e articulada para acontecer e ferir de morte o ex-presidente como político e o PT como partido – aquela posta por Lula na entrevista coletiva concedida: “Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”.

Resposta de um Getúlio Vargas vivo, dispensado de Carta Testamento.

Faltou dizer como
Da cantada e decantada sentença o mais hilário surrealismo (de fazer inveja a Kafka) porque inteiramente impossível de cumprimento:

“944. Condeno Luiz Inácio Lula da Silva:
“...Entre os crimes de corrupção e de lavagem, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a nove anos e seis meses de reclusão, que reputo definitivas para o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva....
950. Considerando que o apartamento 164-A, triplex, Edifício Salina, Condomínio Solaris, no Guarujá, matrícula 104801 do Registro de Imóveis do Guarujá, é produto de crime de corrupção e de lavagem de dinheiro, decreto o confisco, com base no art. 91, II, "b", do CP.”

Como ironiza Uraniano Mota, veiculado no Luís Nassif on line:

“Resta apenas saber, para que se cumpra a punição do confisco: de quem o juiz tomará o tríplex do Guarujá? De Lula, da OAS, da Caixa ou das páginas da sua inflada e oca sentença? A resposta que esclareça de quem se confisca, sem dúvida, confiscará também o castelo de cartas da condenação.”

A teoria           
Contra teorismos absurdos e inconsequentes que deram de ocupar a cabeça de alguns julgadores – desde a famosa fundamentação de que não havia prova contra o acusado (José Dirceu) mas a literatura jurídica autorizava a condenação (voto de Rosa Weber) – vivemos a singular realidade para a advocacia, especialmente a criminal: o melhor advogado é Deus. E olhe lá!

A lição de Lênio Streck, no Conjur, embute a ironia de uma ‘teoria do pintinho envenenado’, observada em julgamentos pela Tribo Azende, da África Central; diante do acusado um pintinho é alimentado com certa dose de veneno; caso o pintinho sobreviva o acusado será absolvido; caso não...

No caso Lula Lênio afirma – com sobejas razões – que só com a aplicação da teoria da tribo africana poderia Lula ser inocentado.

De nossa parte afirmamos, como no caso de Deus como advogado: E olhe lá!

Desproporção
Dos 962 parágrafos que fazem o texto da sentença morina somente cinco em torno da defesa - diz Zanin, advogado de Lula, em matéria de Cíntia Alves no GGN.

Diante dos inúmeros argumentos da defesa, no curso de dezenas de depoimentos, não analisadas, significa que a decisão baseou-se unilateralmente na acusação sem provas e convicções.

Sem falar nas provas requeridas pela defesa e negadas.

Como prova material: uma matéria de O Globo.

As omissões já foram objeto de Embargos de Declaração.

Safári curitibano
Um juiz que precisa citar, sete vezes, reportagem de um jornal, confessa que não tem provas. Apenas convicções. 

E mais: se baseia em matéria de jornal, de 2010 – ainda que não tenha conseguido prova-la.

Cumpriu a missão que lhe foi delegada. Não pela Justiça, ressalte-se.

Do safári curitibano só restará o troféu. Que pesará na consciência, quando a evolução moral o permitir.

Não haverá hariquiri
Não haverá hariquiri. Não porque no Brasil não haja samurais e seu código de honra, onde a vergonha os leva ao suicídio heroico.

Não, não haverá hariquiri no Brasil. Não, porque no Brasil de Moro e quejandos o que muito falta é vergonha. E na sua falta não há código. Porque prevalece o cinismo, que o dispensa.

Fica-nos, de tudo isso, um quê de certeza que Moro perdeu a batalha.

PIB despencando
Para 1,3%, diz o FMI. Previa anteriormente, 1,7%.

E o arrocho apenas começando. 

Transferindo a conta
Os escândalos alcançam o governo do interino tornado presidente. 

Não bastasse, as ditas políticas voltadas para a Economia afundam o país, assolam a classe trabalhadora com o desemprego, retiram dos jovens a Esperança, o país avança para o caos.

Solução encontrada: cobrar dos trabalhadores e aposentados.

O que resta, ainda
A avaliação boa e ótima (7%) do governo interino tornado presidente perde de goleada para regular (16%). 

76% de ruim (36) e péssimo (40%) estrondam nos tímpanos do Jaburu.

São dados do DataPoder360.

Collor lembrou o pai
Ao lembrar do pai o senador Fernando Collor trouxe em seu voto contrário à reforma da CLT as bases do retrocesso que ora nos é imposto. 

Todos avanços a partir de 1930, atualizados no curso de 497 modificações, além das 67 disposições constitucionais inseridas na Carta de 1988 – como lembra Collor – vão por terra.

Estamos retornando à República Velha, a das oligarquias, como paradigma. 

Com outras oligarquias, naturalmente.

Algumas reações ao conteúdo da decisão de Moro contra Lula

“Juridicamente ridículo”

“Delação premiada informal” 

"Lixo jurídico completo"

De tudo, no final, restará mais uma jabuticaba brasileira: uma decisão judicial esqueceu de fazer justiça, à luz dos elementos contidos no processo, e fez política.


    Singela homenagem ao instante 


                   

Nenhum comentário:

Postar um comentário