domingo, 12 de fevereiro de 2017

Sob o domínio da mesquinhez



Dos mais pungentes contos da Literatura pátria “Os Ciganos”, de Sabóia Ribeiro (da obra Rincões dos Frutos de Ouro – contos regionais da Bahia, de 1928, reeditado pela Editus em 2005). A comovente conclusão não deixa de transitar por entre as relações humanas em dimensão de poder em nível de província, ali representado pelos interesses pessoais de um delegado, e as agruras e sofrimentos deste ou daquele que se vê a tal circunstância submetido.
No conto um cigano causara prejuízo em negócio realizado e o bando a que pertence somente pode novamente entrar no povoado, tempos depois, caso não trouxesse aquele, sob pena de todos serem presos, o que é aceito pelo chefe dos zíngaros.
Em meio às agruras por que passam seus integrantes uma em particular comove a localidade: uma criancinha, de primeiros meses, que vai morrendo aos poucos sem que qualquer das iniciativas para salvá-la, inclusive médicas, o consiga.
Registra Sabóia o drama vivido por todos (ciganos e população) em torno do infante: 
Era um bebê languento, pobre ente mirrado, costelas de fora, pele seca, e pregueada, em cujo rosto avultavam, de cada lado da boca, como dois parêntesis, duas fortes rugas cavadas... O infante quase não dava acordo de si, langue e flácido, frio, com alternativas de um pranto choramingado, sentido. 
Depois de alguns dias, era, já, em romaria, que a gente do povoado, mulheres sobretudo, acorria à barraca, onde definhava o mísero. E lá estava ele, nos maternos braços, cada vez mais entanguido, mais consunto e mumífeito, esgargalhado, imóvel, menos os olhinhos, muito acesos, movendo-se como procurando compreender algo, hipotérmico. E foi numa agonia surda, imperceptível, sem convulsão, sem trejeito de face, sequer, que ele, enfim, se extinguira.
A própria mãe não o sentiu, dando com o pequenino frio, bem morto, no aconchego do colo.
E todos foram sepultá-lo, viventes de uma agonia que os atingira e levava-os à solidariedade capaz de demonstrar a razão por que da existência humana arvorar-se superior.
No trajeto, escondido num capão de mato, o cigano foi reconhecido e contra ele o delegado deu ordem de prisão, depois de identificá-lo. 

Só restou ao “acobardado e trêmulo” articular: 


“– Sou, inhor sim, patrão. Prender pode, inhor sim, isto pode – mas deixe ver primeiro o anjinho que morreu... sou o pai dele...”.

Nenhum instante de uma existência pode ser medido em sofrimento como aquele em que se pranteia um amigo, um parente. E não é algo que se esvaia com a dolorosa separação com o sepultar. Tudo permanece por dias, meses, quantos mais entre si viveram o que se foi e os que ficam.

A sensibilidade humana sempre cobrou respeito para com tais instantes. A civilização tratou de desenvolver a cultura de enterrar seus mortos e de respeitá-los enquanto tal. Até como um direito inalienável, universal. Religiões mesmo atribuíram o luto como uma forma de lembrar aos demais a dor por que o que o veste passa.

Tudo vem-nos à baila diante do que lemos: com mandado expedido no dia da cerimônia de missa pelo 7º dia de falecimento de Marisa Letícia – no qual consta até o nome da falecida – audiência designada para ouvir Lula no próximo dia 15. Mantida, apesar de requerimento da defesa por adiamento amparada nos fatos recentes.


Entre o poder do delegado provinciano e o de um juiz que tem lado tudo fica explicado. Deitados sob a mesma frondosa árvore da mesquinhez humana debocham do semelhante. Esquecidos – se em algum tempo o tiveram – dos sentimentos que marcam o homem como expressão da Humanidade.

Raposa no galinheiro
Reforma da previdência será relatada pela previdência privada. Outra não poderia ser uma manchete diante do fato de o deputado Arthur Maia (PPS-BA) haver sido o ‘escolhido’ para relatar a reforma da previdência.

Tudo porque o dito cujo apenas recebeu 300 mil para sua campanha, oriundos do Bradesco Vida e Previdência. E outras gorjetas vieram do Itaú (R$ 100 mil), Safra (R$ 30 mil) e Santander (R$ 100 mil).
Não custa lembrar que Maia é sobrinho de Nilo Coelho, o Nilo Boi, singular exemplo de 'servir ao povo'.

Nada escapará
Quase uma centena de entidades da sociedade organizada, inclusive de órgãos públicos, alertam para os graves retrocessos embutidos na MP 759/2016, que alcançará campo e cidade, violando princípios e fundamentos de políticas urbanas e sociais, levada ao Congresso sem qualquer discussão com as entidades e organizações sociais. 

Da política urbana à Amazônia, das conquistas de décadas, tudo de roldão será levado.
A grita não levará a nada – infelizmente – com o Congresso atual e os interesses em jogo, representados por eles.

O retorno

Mal instalado o governo do interino tornado presidente o sonho da classe dominante – que se diz elite (“Branca”, como o afirma Cláudio Lembo) – caminha para o gáudio de ver a escravidão mais próxima. 

Afinal – como registra O Globo – 500 mil já retornaram ao Bolsa Família.

É o retorno à pobreza e à miséria.

Na falta de filé osso é caviar
De Cláudio Humberto sobre a CEF comemorando 11,4% de aumento nos negócios de penhor:

“Não foram considerados os custos afetivos, a angústia e a dor, muito menos as lágrimas das pessoas que recorrem à penhora de bens para enfrentar a crise, pagar contas, dívidas, e sobreviver.”

Sem adentrar no mérito do que pensa Cláudio Humberto – o que aí está passa por seu “sonho” de consumo – o que diz sobre a “comemoração” da CEF traduz a mais absoluta razão.


Na falta de filé – os depósitos na poupança estão minguando a cada mês – osso é caviar.

Gilmar x Moro e vice versa
Um passa a ser contra as prisões preventivas/provisórias por tempo indeterminado; outro, mantem-se em razão delas. Inclusive como forma de obter delações.

Anulada
Quanto custará ao Brasil a irresponsável falência da Panair – anulada judicialmente – promovida pela truculência militar no imediato do golpe.

Tal como, no futuro, a quebradeira – articulada – da indústria de construção civil nacional.

Afinal, eis os dados mais recentes, noticiados na imprensa:

 "Braço de construção da Odebrecht encolhe pela metade com a Lava Jato. Empresa demite mais de 50% dos funcionários e receita tem queda de 57% em relação a 2014". 

Medrou
A iniciativa de proibir gravações em audiência – o que vinha acontecendo – é primeiro passo para compreender que o juiz Sérgio Moro medra diante de fatos concretos. 

Afinal, acompanhar uma audiência presidida por Sua Excelência é oportunidade de confrontar seus saberes jurídico-processuais com a realidade. 

Para nós – observador de província – é medíocre e limitado. Dirceu, Eduardo Cunha, Marcelo Odebrecht o puseram no bolso e não entraram no seu jogo.

Advogados já o acusaram ao vivo e em cores.

No imediato de uma audiência com Lula teme ser flagrado enrolado pelo torneiro mecânico.


Acinte
Quando Dias Tóffoli foi indicado para ocupar vaga no STF foi um escândalo. A de Alexandre de Morais é entendida como um acinte ao mundo jurídico e um escárnio para com a nação.

Nenhum dos adjetivos que traduzem um “notável saber jurídico” será aplicado ao indigitado indicado pelo interino tornado presidente.

Nada contra a exercer a advocacia em defesa de empresas que lavam dinheiro para o PCC ou de Eduardo Cunha. O exercício profissional é opção do próprio profissional. No entanto, moralmente não o habilita a uma vaga no STF.

Tampouco o fato de plagiar autor estrangeiro, sem se dignar citá-lo. Coisa comum até na era do ctrl-C + ctrl-V.

O mais medíocre – caso consumada a indicação – chegará ao STF para mostrar que este Brasil não vale mais nada como nação e tornou-se um coio de uma quadrilha.

A verdade nua
“Moraes tem todos os predicados para compor o STF” – afirmou o ministro Gilmar Mendes. 

Desde quando Mendes está lá fazendo o que faz e nada lhe acontece, tem toda a razão.

Por outro lado, pelo nível do pensamento jurídico que norteia as cortes jurisdicionais do país Moraes é apenas mais um.

Por fim, o país vive o que sonhava a sua classe dominante. Resta concluir o aparelhamento. 

Premiando o atraso
Por elegância citamos a ação verbal premiar em vez de conluiar. Afinal, em meio a tantos criminosos que certamente sairão beneficiados com a indicação tudo não passa de mais uma ação criminosa travestida de exercício de direito.

Para o governo do interino tornado presidente a indicação de Alexandre de Moraes para o STF define sua linha de ação: nada de intermediários. 

Eis o nível
O estágio de degeneração institucional no Brasil chegou ao ponto de – considerando a omissão de inúmeras organizações da sociedade civil – termos de reconhecer razão a Eduardo Cunha. Afinal, está certo em suas colocações em artigo publicado na Folha, onde “pede respeito à Constituição”.

Mas, este é o quadro: considerando a comprovação de crimes praticados por Eduardo Cunha está cabendo a ele – criminoso – cobrar de público o cumprimento da lei.

Coisa que o STF anda escolhendo como e quando fazer.

Tudo dominado!
O acordão de que falava – e traçava – Machado com Romero Jucá, em março do ano passado, vai se consumando. O traçado envolve o PSDB, o DEM, o PSB e o PMDB no que diz respeito à Lava Jato, em que pese a gloriosa PGR de Janot ver somente o PT como interessado (Patrícia Faermann, no GGN).

O que está nos restando
Espernear, por certo. Mas, melhor que se acomodar. A ironia – espernear, por certo – porque não souberam exercitar o poder quando o comandaram, por não compreender, em profundidade, o que representa a histórica aliança dos poderosos diante de interesses alcançados/reduzidos na sanha do “tudo para mim”.

Sempre, no plano do que escrevemos, nos pautamos na opinião. Como tal, até mesmo concordâncias podem – e são – alcançadas pelos desvios daqueles sobre os quais residem nossas críticas.

A propósito, os deputados federais Carlos Zarattini e Wadih Damous levantam questionamento, por representação, contra delegados da Polícia Federal que ultrapassaram os limites da funcionalidade.

Para um governo que indica Alexandre para ministro do STF esperar o quê?

Esperneio, tão somente.

Ao mocambo, todos!
A tragédia vista por uma de suas facetas: a casa própria. O inadimplente ainda será multado. 

Na ironia de PHA cabe ao ‘quebrado/enforcado” pagar pela corda.

O vídeo abaixo não é somente uma aula. Traduz a realidade.

                 

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