domingo, 24 de abril de 2016

Profético

     

Três dias – pelo menos – até que a ópera bufa tenha chegado ao fim. Qualquer que seja, o que temos hoje antecipado é o ridículo que envergonha o surrealismo pátrio. Criminosos criminalizando – com suas interpretações – quem não tem crime algum. Mas que cometeu o maior deles: enfrentá-los.

Está aí a Presidente – defendida por gregos e troianos, aqui e alhures – como pessoa contra quem não há mínimo resquício de desonestidade, “uma das raras figuras políticas não acusadas de enriquecimento ilícito” no Brasil, como registra o New York Times. Na outra ponta, o seu algoz (porque dele tudo parte), acumula a mais recente acusação: a de receber R$ 52 milhões de propina somente de um consórcio, envolvendo OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia.

A inversão da realidade espanta, a ponto de o Secretário-geral da OEA, Luis Almagro, em declaração ao El Pais temer por aquilo que pode acontecer: "É algo que verdadeiramente nos preocupa, sobretudo porque vemos que entre os que podem acionar o processo de impeachment existem congressistas acusados e culpados. É o mundo ao contrário. 

Esperam ecoar na Câmara apelos e clamores de todos os segmentos pensantes do Brasil – de intelectuais a magistrados, de titulares de Ministérios Públicos a CNBB e Igrejas  conclamando pelo bom senso, a ser respaldado apenas no respeito às leis.

Ainda assim prossegue o clima de vindita, onde o prejudicado é o povo, levando de roldão a própria nação embrionada nos últimos anos.

Tudo nos remete àquela anedota: nos tempos em que o Criador elaborava este augusto planeta e dividia cataclismas pelo globo brindou o Brasil com nada daquilo que viria afligir tantos outros continentes. Não bastasse, dotou-o de natureza exuberante e riquezas várias, celeiro planetário. O sempre instigante Pedro olhando de soslaio. Até que não se conteve:

– Senhor, que tens de especial com essa terra? Tsunamis, terremotos, desertos, geadas distribuídos por todos os cantos e nada neste tal de Brasil! Por quê?

– Ah! Pedro, não sabes de nada. Não viste a gente que por lá vou colocar.

A realidade é que não poderia nada haver de pior do que uma classe política como a que temos, eleita por aquele povo bafejado pela Divindade.

O texto até aqui estava elaborado para ser ampliado e publicado antes do 17 de abril. Razões técnicas (ah! essa augusta internet/Velox) retardaram a publicação. Hoje, passados oito dias daquele domingo (para o país e a Democracia esquecerem) retomamos a finalização. Com outros olhares. Daqui e de alhures.

O mundo – estarrecido – não compreende o que está acontecendo na terra brasilis a não ser pela ótica que, internamente, alimenta o bom senso à luz da Constituição: golpe. Contra todos – lá de fora – os que formam o grupelho daqui, capitaneados pela Globo, afirmam o contrário. Muito a propósito, o The Guardian, em 'A razão real que os inimigos de Dilma querem o seu impeachment' não tergiversa ao afirmar que as elites políticas e a mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da democracia." E tocou na ferida: A elite do país e seus grupos midiáticos fracassaram, várias vezes, em seus esforços para derrotar o partido nas urnas.” Já no subtítulo desnuda os fatos encobertos e manipulados pela imprensa nativa: “Corrupção é só um pretexto para os ricos e poderosos que falharam em derrotá-la nas eleições”.

Não falta ao Brasil quem aplauda o ridículo que ocorre. Sem qualquer compromisso com o futuro ou que tenha o mínimo pudor de desejar aprimoramentos éticos e morais.

As conquistas no cenário internacional – obtidas de 2003 para cá – como a inserção do país no concerto das nações que decidem, criador do G20, do BRICS, de novo banco mundial de fomento, de ocupar Agências de renome etc. etc. deixam pasmo o estrangeiro que vê em Lula um dos nomes mais importantes do mundo sendo caçado, sequestrado e posto em cárcere privado como reles bandido (sem provas) enquanto um bandido provado (só o Judiciário não enxerga) comanda o caos e busca assumir a presidência (não se engane o leitor) com a assunção de um Temer da vida levado a impeachment para assegurar ao ladrão Cunha o controle do país.

Do kafiquiano estágio em que vive Dilma/presidente ao surrealismo de ver – como disse o jornalista Miguel de Souza na TV portuguesa https://vimeo.com/163399039 – “uma quadrilha de bandidos presidida por um bandido” derrubá-la ... Ou, conviver com o dito por Glenn Greenwald, da CNN: “É a coisa mais surreal que eu vi em meu tempo como jornalista em qualquer outro lugar, cobrindo política em vários países”. 

Não custa atentar, como observou a BBC, que a exibição realizada no 17 escancarou a essência da Casa que 'representa' o povo. Inclusive com o significativo fato de que 273 deputados (53% da composição) respondem a processos perante Tribunais Judiciários e de Contas.

Certamente – depois do 17 de abril – mais próximos ficamos, como país, daquele moribundo vazio, exigindo desaparecer urgentemente. Não sabemos a catarse que nos cabe. Afinal, vimos no domingo a expressão que imaginávamos esquecida nos escombros do século passado: o anacrônico, ultrapassado e velho oligarquismo político resistindo. Ainda que cheirando a mofo, ultrapassado e sem como ser cerzido, respira. Não sabemos se último suspiro. Certo é que vivemos a miséria moral presente na classe política que se insinua ‘nos representar’.

A instabilidade que se avizinha – inexorável – alimentará apenas os que entregarão as riquezas recém-descobertas (leia-se, pré-sal) na calada da noite.

A única certeza no horizonte – retomada do neoliberalismo ao comando pátrio – está visível no pacto para beneficiar as classes sociais de antanho, reservando-lhes/transferindo-lhes parte considerável de ‘migalhas’ que foram dos trabalhadores durante os anos de ‘sonho’ realizado recentemente. Nem aquelas “volumosas migalhas” distribuídas de que falou Dom Mauro Morelli em relação aos programas sociais – criticando-as por não estarem acompanhadas de “medidas estruturais promotoras da cidadania” – restarão. Viveremos, novamente, o Estado benfeitor das mesmas minorias. Não se imagine que a base da pirâmide social seja de logo exterminada – aí seria genocídio – mas sucumbirá nos termos severínicos de João Cabral de Melo Neto: “um pouco por dia”.

Certamente uma coisa ficou clara: o Brasil – graças a Suas Excelências – entrou no anedotário do planeta. Ou, como bem posto por Manuela Berbert, colunista grapiúna: Entre os votos vendidos e os votos comprados, tenho a leve impressão de que todo mundo estava mesmo era aguardando o palhaço Tiririca avisar que pior do que está, ainda fica!

Nos 400 anos da morte de Cervantes, neste 22 de abril, fica-nos a dúvida se o autor de Dom Quixote não foi profético em relação àquela ilha, recém anunciada descoberta da Coroa Portuguesa (onde viveu por dois anos na juventude), levada por sua imaginação delirante a torná-la prometida ao fiel escudeiro Sancho Pança.

Afinal, para a coadjuvante maioria Rocinante – em seu significado de Pileca (cavalo fraco e pequeno) – que se expressou no 17, todos esperam o seu quinhão de Sancho Pança: as tetas da loba para o Rômulo e o Rêmulo da Roma que sonham.

domingo, 10 de abril de 2016

Destaques

DE RODAPÉS E DE ACHADOS
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Um notório criminoso
As tintas surrealistas que acometem o Brasil bem podem ser sintetizadas no fecho de artigo (A crise é mental) de Mino Carta, na edição de Carta Capital deste final de semana:
"...
Perguntam agora meus envergonhados botões: quem haverá, neste Brasil em apuros, capaz de entender que o impeachment não resolve a crise, pelo contrário, a complicaria? E quem se dá conta de que os Panama Papers desvendam o ninho do ovo da serpente da crise que, sem isentar o País, transcende a economia?

Há outra discrepância, ainda mais espantosa, a denunciar ausência de saúde mental, bem como política: enquanto se discute se Dilma cometeu um crime inexistente, decide os destinos do Brasil um notório criminoso chamado Eduardo Cunha."

Conflito ao contrário
O Estado de Bem-Estar Social foi saída encontrada pelo capitalismo pós Revolução Industrial para, através do Estado, conter as mobilizações do trabalho por melhores condições de vida e ganho, materializando-se na experiência europeia no imediato da Primeira Guerra. Transferiu-se, então, para o Estado, a solução de demandas dos trabalhadores não alcançadas pela remuneração (educação, saúde, transporte, moradia etc.).

No curso das décadas as relações Capital-Trabalho mantiveram-se nesta toada: o Trabalho lutando para obter mais; o Capital, para dar o mínimo. Em meio o Estado, como árbitro.

Em entrevista concedida ao Diário do Centro do Mundo o economista Luiz Carlos Bresser Pereira, vê na atual realidade brasileira o inusitado: "Estamos desde 2013, e isso ganhou força clara em 2014, num conflito de classes ao contrário. Ao invés dos trabalhadores estarem brigando para obter vantagens dos capitalistas, são os capitalistas que resolveram ir contra a prosperidade dos trabalhadores."

Crime I
As esfarrapadas desculpas do juiz Sérgio Moro em relação a vazamentos já se escandalizavam por si mesmos, diante do rol de violações contidas.

Não bastasse grampeou  conscientemente  um escritório de advocacia. Apesar de a companhia telefônica tê-lo alertado.

Nesse particular não deixa de ser singular a posição da OAB do golpe: critica o grampo, mas não processa o juiz pelo crime cometido.

Crime II
Para essa mesma OAB 'pedalada fiscal' é crime  ainda que não o seja  mas o crimezinho cometido por um juiz no exercício de suas funções... ah' deixa pra lá!

Vício processual
De Wálter Maierovitch, na Carta Capital, em "A Justiça humilhada", quando se refere ao ministro Gilmar Mendes:
"...
No caso do ministro Mendes, não se trata de judicialização da política, mas de vício processual em face de notória parcialidade. O ministro já havia antecipado publicamente juízos negativos. Portanto, uma decisão maculada pelo vício da parcialidade e, assim, nula de pleno Direito. Na chamada jurisdicionalização, os juízes ou os Tribunais, quanto ao dissenso ou litígio, são chamados a decidir em substituição à vontade das partes em conflito, declarando o direito positivo e a parte vencedora.
Quando atua um juiz notoriamente suspeito de parcialidade, caso do ministro Mendes ao entender ter ocorrido no ato de nomeação 'desvio de finalidade' (seria, segundo o ministro Mendes, apenas para garantir foro por prerrogativa de função ao ex-presidente Lula), temos uma perigosa distorção e não  judicialização de tema de interesse político em sentido estrito. Com efeito, espera-se do ministro Cardozo, da Advocacia-Geral da União, em especial para a preservação do prestígio do STF, a propositura de exceção de suspeição do ministro Mendes."